“A Substância” Por Mauritius Cleberix

Apresento uma possibilidade interpretativa da personagem principal, Elisabeth Sparkle, como uma alegoria dos Estados Unidos (EUA) e sua luta para manter uma imagem de juventude, poder e relevância diante de sua decadência econômica, moral e cultural.

A protagonista, uma artista de TV que recorre a uma substância experimental, e duvidosa, para recuperar sua juventude, pode ser vista como uma metáfora dos EUA tentando desesperadamente reviver um ideal de grandeza que, na realidade, nunca foi tão perfeito quanto se imagina.

A “substância” representa as medidas extremas e insustentáveis que o país adota para manter sua hegemonia global, como guerras, exploração econômica, e a exportação de seu estilo de vida (o “American way of life”) como um modelo universal.

A juventude que a personagem busca recuperar simboliza o “Sonho Americano”, uma ideia romantizada de prosperidade, liberdade e oportunidade que, na prática, sempre foi inacessível para muitos. A substância, portanto, é uma tentativa de restaurar essa imagem idealizada, mas o filme revela que essa juventude nunca foi tão pura ou virtuosa quanto se acredita. Da mesma forma, o “American way of life” é construído sobre pilares de desigualdade, consumismo e egoísmo, mas é vendido como um modelo de sucesso e felicidade.

A personagem, ao ter restaurada a sua juventude, confronta o EUA atual — envelhecido, decadente e cheio de falhas — com uma versão jovem de si mesmo, que, no entanto, carrega as mesmas mazelas: egoísmo, vaidade, imperialismo, violência e uma obsessão pelo sucesso/poder. Esse confronto é uma crítica à ideia de que o passado dos EUA era moralmente superior ou mais autêntico. Na verdade, tanto o EUA jovem quanto o velho são marcados por contradições e falhas éticas.

O drama de Sparkle pode ser interpretado como uma metáfora para as soluções rápidas e insustentáveis que o capitalismo oferece: desde o consumismo desenfreado até a exploração de recursos naturais e humanos. Essas “soluções” não resolvem os problemas reais, mas apenas mascaram as fissuras, criando uma ilusão de rejuvenescimento.

No filme, a substância acaba por destruir a personagem, assim como o capitalismo desenfreado e a busca pelo poder global estão levando os EUA (e o mundo) a uma crise existencial.

O filme critica o conceito leviano do “American way of life” como um ideal universal. A personagem, ao buscar desesperadamente a juventude, reflete a obsessão dos EUA em impor seu modelo cultural e econômico ao resto do mundo, mesmo quando esse modelo é insustentável e carregado de contradições.

O produto consumido (a substância), portanto, é uma metáfora para a exportação desse estilo de vida, que promete felicidade e sucesso, mas gera destruição e desilusão.

No momento em que a personagem é confrontada com a realidade de sua juventude restaurada não é apresentada uma solução, mas sim um reflexo distorcido de seus próprios vícios e falhas. Da mesma forma, os EUA, ao olharem para seu passado glorificado, são forçados a enfrentar as consequências de suas ações: desigualdade social, guerras injustas, exploração e uma cultura de consumo e violência que destrói o planeta. Um espelho que revela a verdade por trás da fachada.

Na sequência final o público, paralisado, demora a ter uma reação, e quando a tem é a palavra “monstro” que manifesta o próprio horror que cada um ali carrega, por ter sido cúmplice do sistema, que é apoteoticamente sacramentado com a unção do sangue que jorra desse ser deformado de múltiplos órgãos.

Ofereço, portanto, “A Substância”, como uma chave interpretativa de crítica à obsessão dos EUA (e, por extensão, do mundo ocidental) em manter uma imagem de juventude, poder e relevância, mesmo quando essa imagem é construída sobre bases frágeis e falsas.

Elisabeth Sparkle, ao buscar desesperadamente a juventude, acaba destruindo a si mesma — assim como os EUA, ao insistirem em manter sua hegemonia a qualquer custo.